quarta-feira, 27 de junho de 2012

Ilusão fantasma


Não abandone suas questões. Um dia chegará a uma conclusão, por mais que demore dias, anos, ou até mais de uma década.

É bastante conhecida a citação de Isaac Newton (1643 - 1727) em resposta ao questionamento de alguém sobre como tinha feito para chegar a suas diversas teorias: “pensando sempre nelas!”. Pois é esse é o ponto, não conseguimos resolver nossas questões por outro meio. Albert Einstein (1879 - 1955) – que quase sempre é tido como aquele que destruiu a teoria newtoniana, mas que, como demonstro para os alunos, mantém muitas semelhanças com aquele inglês nas suas colocações, já que suas teorias também são uma mescla de simbologia, matemática e busca pessoal – dizia que o instante do entendimento é o momento em que a luz acende, é quando passamos a ver a realidade, uma situação ou um fenômeno de forma absurdamente diferente daquilo que tínhamos considerado até então.

Esse processo me faz lembrar a metodologia psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud (1856 - 1939) e muitos outros colaboradores. Em linhas gerais, a análise, como é mais coloquialmente tratada, é uma técnica em que o indivíduo é levado a se confrontar com sua questão por um processo narrativo exaustivo, até que num belo dia, ou talvez em um dia não tão belo assim, ele percebe onde está o furo do discurso, ou melhor, onde está o alicerce da parte podre que insistentemente o fazia andar em círculos sem nada resolver, sem que nenhuma decisão realmente determinante fosse tomada.

Quando entendemos é quando abandonamos as intermitências da morte em que nos encontramos e saltamos para um outro universo, colorido de vida. E por que falar de morte nesse caso, diria o interlocutor? Porque entender pressupõe mudar, deixar para traz um mundo e se aventurar por outro, que tem outros contornos e outras configurações. E esse inevitavelmente é um processo de morte! Mas quase sempre, quando o indivíduo entende, não tem nenhuma dúvida do caminho a tomar, justamente porque fica maravilhado, transfigurado pela nova descoberta. Tal descoberta é ele, parido de novo. É uma nova chance, é como se passasse de fase em um game.

A mudança nos coloca no contexto de morte e vida! Não por acaso – já que nada realmente é por acaso, “Deus não joga dados”, para mais uma vez citar Einstein – estou agora escutando o disco Transfiguração da banda já extinta Cordel do Fogo Encantado, que tinha à frente José Paes de Lira (1976 - ?), mais conhecido como Lirinha, ou Lira, nome que passou a adotar recentemente quando do lançamento do seu primeiro álbum solo homônimo.

Lira parte do universo sertanejo, da poesia de Patativa e de João Cabral e desemboca na arte de Stanley Kubric (1928 - 1999) - uma de suas muitas influências, a qual se pode juntar Friedrich Nietzsche, Ítalo Calvino etc.. A oscilação vida/morte é notoriamente a temática central dos últimos trabalhos deste pernambucano. Assim como João Cabral (1920 - 1999), Nietzsche (1844 - 1900) e Kubric, Lira passa a conceber pela via da vivência – talvez a única via realmente eficiente e eficaz – que vida e morte estão em um bate-bola infinito, como Raul Seixas também já tinha nos indicado, bebendo nas mesmas fontes e/ou semelhantes.

Mas, em minha opinião, a questão central está justamente um passo adiante. Para sairmos desse universo angustiante da constatação cíclica da existência, temos que entender esse mecanismo e saltar para fora dele, só assim conseguiremos vislumbrar as novas brumas de outros tempos e mundos. Quando morremos, não deixamos de carregar nosso mais recente fantasma, mas podemos justamente passar a entender que é apenas um fantasma, como muitos outros que nos cercam, vencidos em outras batalhas, mas que talvez por serem advindos da “infância” nem os percebemos mais como fantasmas, mas apenas como becos tomados, por onde as crianças não podem transitar... Se não os consideramos assim é porque ainda não são fantasmas, a batalha ainda precisa acontecer! Mas o pior de todos são os fantasmas com os quais temos de estarmos sempre em batalha, esses também fazem parte de nossa psique e quando chegamos a tal conclusão é justamente quando entendemos. Notoriamente, fantasmas, nesse contexto, não são espectros de pessoas, mas redes psíquicas, mapas com os quais nos acostumamos a navegar, obviamente, sempre pelos mesmos mares.


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